Especialista ELETROS fala sobre queda da inflação e desempenho dos fundos

01/09/2017

Há anos não víamos índices de inflação tão baixos no país como os que temos presenciado em 2017, e a variação moderada dos preços vem surpreendendo o mercado financeiro. O último relatório Focus do Banco Central divulgado em 2016 mostrava que a expectativa para o IPCA deste ano era de 4,9%; em julho último, caiu para 3,4%.

O cenário de inflação declinante é muito favorável para os investimentos em geral, mas em particular para a renda fixa porque impulsiona os ganhos reais, ou seja, os que superam a inflação. As aplicações de curto prazo atreladas à taxa Selic têm apresentado um ganho real excepcional, isso vem correndo porque a queda da inflação tem sido mais acentuada do que o ritmo de redução da taxa Selic, levando a um ajuste mais lento do que o esperado para a taxa real de juro.

Os fundos de pensão administram planos de benefícios de aposentadorias e pensões, são importantes investidores institucionais, suas políticas de investimento preveem metas de rentabilidade; a inflação declinante tem sido muito positiva para os resultados do exercício. Diversificada entre títulos de curto, médio e, principalmente, de longo prazo, a renda fixa tem grande representatividade no patrimônio das entidades, o que faz com que o segmento tenha um impacto importante no desempenho consolidado dos investimentos.

Depois de deduzir os custos de administração, estimamos que a rentabilidade média acumulada até julho tenha alcançado 6,8%, superando com folga a taxa de juro atuarial, uma das metas mais importantes para o resultado e que, em média, atingiu 4,5% no mesmo período. Os planos com mais renda variável obtiveram rentabilidade superior, repetindo o que já ocorrera em 2016, já que a valorização do mercado acionário continua se destacando.

Mesmo faltando alguns meses para encerrar o exercício, é possível concluir que será proveitoso; a trajetória inflacionária já está definida para o restante do ano, de modo que o bom desempenho deverá ser confirmado com relativa tranquilidade até dezembro. Contudo, também é possível antecipar um contexto mais desafiador para 2018 e para os anos seguintes.

A queda da inflação e da taxa Selic tem sido importante para a formação do resultado de 2017, gerando um ganho real expressivo e bem capturado pelos gestores, mas é conjuntural e não deverá se repetir no próximo ano. Com base no relatório Focus do Banco Central do final de julho, a taxa Selic real sobre o IPCA projetada para 2018 estava em 3,4%, bem abaixo dos 6,4% reais previstos para 2017.

Adicionalmente, a taxa de juro atuarial deverá ser reduzida em 2018 para se ajustar à realidade macroeconômica; é provável que, por prudência, as entidades continuem a adotar valores inferiores à taxa de juros parâmetro divulgada anualmente pela PREVIC. A redução da taxa de juro atuarial é um fator de risco considerável porque tem impacto econômico sobre o passivo e a renda, podendo afetar a satisfação do participante dos planos.

Como a conjuntura pode favorecer neste ano e ser menos promissora no próximo, a visão de longo prazo é que mais interessa para os fundos de pensão. Não tem sido fácil elaborar cenários nestes tempos em que as análises econômicas de mercado estão muito influenciadas pelo curto prazo; se nos guiarmos por elas, talvez não percebamos as mudanças estruturais que estão acontecendo e a enorme contribuição que o mercado financeiro internacional tem oferecido ao país.

Em artigo de seis de julho último, aqui no Valor, apresentamos um cenário de longo prazo baseado na taxa de juro e na mudança demográfica. Argumentamos que o aumento da longevidade ocorrendo paralelamente à queda dos juros pode ser considerado como o mais desafiador para o resultado dos planos.

Diante desse cenário, a reflexão mais relevante que deve ser feita está relacionada à alocação de ativos, considerada a decisão mais importante da política de investimento porque define os percentuais de aplicação para cada segmento, sendo a principal responsável pelas taxas de retorno ao longo do tempo. A alocação média em renda fixa era de 90% em julho; com juros mais baixos, essa concentração tende a limitar a possibilidade de retornos adicionais necessários para enfrentar o risco econômico da longevidade, bem como os riscos atuariais em geral.

A ausência de ativos mais arriscados pode fazer falta no futuro. O segmento de renda variável, o que mais rentabilizou nos últimos 18 meses, possui risco de mercado mais elevado, mas oferece retornos compensatórios quando avaliados adequadamente. Em julho, estimamos que a alocação média em renda variável estivesse em 5% do patrimônio; as simulações mostram que esse percentual é insuficiente para influenciar e alavancar a rentabilidade do patrimônio total.

Sob o ponto de vista estratégico, as indicações são de que a política de investimento de longo prazo não está plenamente calibrada para o cenário de juros baixos e aumento da longevidade. Embora possa ser considerada compatível para o momento, a possibilidade de obtenção de retornos adicionais com a atual alocação de ativos é limitada e poderia afetar a satisfação do participante no futuro.

Artigo escrito por Jair Ribeiro, especialista ELETROS e autor do livro "Risco de Mercado dos Investimentos de Fundos de Pensão".

Fonte: Valor Econômico – 24 de agosto de 2017.