Juros globais e longevidade: um olhar de longo prazo

10/07/2017

O aumento da longevidade decorrente das mudanças demográficas, combinado a um cenário de juro real em queda, é o principal desafio a ser enfrentado pelas Entidades Fechadas de Previdência Complementar para manter seu equilíbrio atuarial num horizonte de longo prazo. A redução do ganho proporcionado pelos investimentos em títulos públicos,  hoje ainda a principal classe de ativos nas carteiras dos planos de benefícios, é uma perspectiva reforçada não só por fatores domésticos mas também pelo comportamento das taxas internacionais de juros. A análise é do especialista em previdência complementar fechada da Eletros, Jair Ribeiro.

Para o diretor de Investimentos da Funcesp, Jorge Simino, o movimento de queda dos juros no curto prazo no Brasil já está dado. “Dentro de dois anos, porém, muita coisa poderá mudar tanto no ambiente doméstico quanto internacional”, diz Simino. Para ele, a decisão da equipe econômica do governo, ao reajustar para baixo a meta de inflação foi acertada, veio no momento certo e com a magnitude correta.

Ao mesmo tempo, a preocupação com as tábuais atuariais mais longevas, em ambiente de retornos menores, e o impacto dessa equação sobre os resultados dos planos a longo prazo, permeiam também as iniciativas do órgão supervisor e fiscalizador do sistema. Isso explica, entre outros aspectos, o esforço de supervisão prudencial e atualização das regras de investimento, como lembra o diretor-superintendente substituto da Previc, Fábio Coelho.  “A melhor governança e o aprimoramento da supervisão serão fundamentais num ambiente de  juros mais baixos, porque será preciso usar instrumentos mais sofisticados de investimento”, lembra o consultor Everaldo França, da PPS-Portfolio Performance.

Visão Global

Uma análise eficiente do ponto de vista das políticas de investimento das EFPC nessa conjuntura, sublinha Jair Ribeiro, não pode levar em conta apenas a visão limitada que tem prevalecido nos mercados, com foco exclusivo na taxa Selic e na evolução do cenário no curto prazo. Ele observa que o comportamento estrutural das economias desenvolvidas, com a manutenção de juros reais em patamares muito baixos ou mesmo negativos, assim como fatores ligados à evolução demográfica serão determinantes na avaliação de longo prazo.

“Há uma tendência dos mercados financeiros darem foco apenas para a taxa Selic e nem sempre os analistas prestam a atenção devida à curva longa dos juros, mas essa curva está mostrando sinais importantes de como o comportamento das economias desenvolvidas poderá influenciar as taxas brasileiras no longo prazo”, acredita Ribeiro.

A manutenção dos juros baixos ou negativos, com o consequente aumento da tolerância global ao risco em relação aos países emergentes, poderá afetar o Brasil no que diz respeito à queda das taxas domésticas. Ou seja, além de fatores internos ligados à baixa demanda e à economia desaquecida, as variáveis globais também ajudam a pressionar os juros para patamares menores.  Os sinais refletem aquilo que alguns estudiosos denominaram “estagnação secular”, resultado do baixo crescimento estrutural nos países desenvolvidos.

O rendimento nominal dos títulos do Tesouro nos EUA, por exemplo, era de 2,3% ao ano em junho passado, diante de inflação  esperada de 1,8% ao ano, ou seja, ganho real baixíssimo, destaca Ribeiro. “Havia a expectativa de que as promessas de crescimento econômico e mais geração de empregos, feita pelo presidente Trump durante sua campanha, acabassem por motivar uma aceleração da atividade econômica e, por consequência, um movimento de alta dos juros, mas isso não ocorreu até agora”.

A falta de rendimentos reais expressivos nos mercados desenvolvidos já começou a provocar maior demanda pelos ativos dos países emergentes, com maior tolerância ao risco soberano desses países por parte dos investidores. À medida que o risco soberano medido pelo Credit Default Swap (CDS na sigla em inglês) fica menos volátil em decorrência do ambiente global de baixo crescimento, tende a aumentar a tolerância ao risco nos emergentes. Isso já vem ocorrendo de fato desde fevereiro de 2016 e há motivos para crer que o Brasil possa vir a compartilhar desse ambiente global de juros baixos”, diz o especialista. Ele observa que o CDS do Brasil tem caído em conjunto com os demais países emergentes desde 2016, ou seja, nesse período a evolução do cenário externo tem sido um fator relevante para a redução dos juros internos no país, avalia Ribeiro.

O pensamento de longo prazo, entretanto, enfrenta dois complicadores no Brasil, observa Everaldo França: em primeiro lugar, o descompasso entre estratégias mais longas e a cobrança de resultados de curto prazo, feita pelos participantes e conselheiros das EFPCs. Além disso, há todo um histórico de diversos planos fracassados de estabilização econômica. “Quando ficar claro que a queda do juro veio para valer, seja agora ou mais adiante, as entidades terão que adotar novas estratégias e rodar ALMs mais robustos”, avisa o consultor.

Regulação e supervisão 

Para que as políticas de investimento possam enfrentar os novos desafios, será preciso que as análises possam contar também com uma base regulatória mais atualizada. Nesse sentido, o plano de ação desenhado pela Previc para 2017/2018 prevê entre suas metas aprimorar as regras de investimentos.  Isso será feito por meio da revisão da Resolução CMN 3.792/2009, explica o diretor-superintendente substituto, Fábio Coelho. Essa reestruturação das regras, já em debate há algum tempo, deverá fortalecer os aspectos de gestão de risco, conflito de interesses e valorização das políticas de investimentos, além de atualizar produtos financeiros já disponíveis e incorporar regras para perfis de investimento.

Por conta da estagnação secular, frisa  Jair Ribeiro, há uma forte probabilidade de que se prolongue o movimento de juros baixos e menor volatilidade do risco soberano, o que afetará a curva das taxas pagas pelos títulos com vencimento em 2030 e 2050, entre outros. Esse ambiente afetará principalmente os planos BD mas também os demais, com os passivos crescendo de modo contínuo, como já ocorre em outros países há algum tempo. “Sem um debate genuíno sobre essa visão mais global, as entidades  terão condições mais difíceis de fazer uma análise adequada”.  ( Martha E. Corazza )

Fonte: Diário ABRAPP